Por que a Prefeitura abandonou os Pontos de Cultura?

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Luciana Rodrigues, psicóloga, ex-coordenadora do Pontão de Cultura Sibipiruna e da rede de Pontos de Cultura de Ribeirão Preto, faz um balanço geral do programa que foi interrompido neste ano. Esperamos que a Prefeitura Municipal se empenhe em retomá-lo, dado que o mesmo se iniciou no primeiro mandato deste governo e foi um marco para a Cultura de Ribeirão Preto. Acompanhe:

Blog Marcos Papa – Como você analisa os três anos de convênio dos pontos de cultura em Ribeirão Preto. Foi importante para a cidade?

Luciana Rodrigues – A presença do Programa Cultura Viva em Ribeirão foi consolidada com a criação de uma Rede de Pontos de Cultura, gerida pelo Pontão de Cultura Sibipiruna. O primeiro ano do convênio (2011) foi marcado por um aprendizado mútuo em que os pontos/pontão de cultura e o poder público se depararam com os desafios de desenvolver fazeres culturais interconectados e de forma horizontal, que exigiam uma atuação integrada e materializassem a proposta de rede. No meio do caminho, alguns problemas e dificuldades foram encontrados, mas cuidados sistematicamente de modo que o processo de implantação não se perdesse. Como horizonte, queríamos mostrar à cidade o que de mais bonito a rede de pontos de cultura poderia oferecer, ou seja, o compromisso com a execução de ações culturais responsáveis e que repercutissem positivamente no cotidiano das comunidades.

O segundo ano de convênio (2012) foi um marco, na medida em que foram consolidadas ações que se propuseram a empoderar, estimular a autonomia e desenvolver o protagonismo social de atores culturais. Pontos e Pontão, cada qual a seu modo, tiveram seu potencial de ação expandido. E esse potencial de ação pode ser medido pela ampliação do número de vagas em cursos e oficinas, pela aquisição de equipamentos que potencializaram o alcance de sua ação, pela diversificação de suas atividades e fazeres artísticos, pelo oferecimento de cursos técnicos de iniciação e aprimoramento, além da ampliação da quantidade de espetáculos produzidos e da rede de parcerias e contatos, todos sustentados pela estabilidade financeira gerada com a remuneração adequada de seus recursos humanos.

É importante ressaltar que cada um dos itens listados acima não esteve presente apenas no segundo ano. Essa ampliação do potencial de ação foi uma tônica ao longo dos três anos. Mas com a experiência do trabalho conquistada no primeiro ano do convênio e a tranquilidade do segundo ano (principalmente considerando o atraso do repasse no terceiro), isso ficou mais evidente.

O terceiro ano do convênio (2013) foi marcado pelo atraso de mais de seis do repasse dos recursos públicos – atraso este que deve ser creditado, sobretudo, ao Ministério da Cultura (Minc). A Rede de Pontos foi bastante prejudicada naquele ano, na medida em que muitas das atividades previstas não puderam ser iniciadas sem a certeza de quando se efetuaria o pagamento. Mesmo assim muitos pontos/pontão se arriscaram e realizaram o que estava previsto e continuaram os trabalhos em suas bases.

Diante disso tudo, entendo que desenvolver um trabalho dentro da lógica de rede é a principal contribuição da presença do Programa Cultura Viva em Ribeirão. Não podemos ser ingênuos no sentido de achar que foi uniforme o engajamento de cada ponto de cultura em se relacionar com a sua base, assim como em participar do trabalho conjunto da rede municipal. No entanto, foi justamente a possibilidade de trabalhar em conjunto que abriu espaço para um diálogo, no qual um ponto de cultura pôde auxiliar na elaboração e execução do trabalho do outro; pôde dividir um mesmo palco e plateia; pôde trocar informações, dividir demandas e conhecer mais a fundo o que o outro faz. Creio que temos, ainda, muito a caminhar em relação a uma perspectiva de rede em que os fazeres artísticos de um componham com os do outro, em que haja uma disposição tal para surgirem propostas realmente orgânicas entre os fazeres dos pontos.

BMP – Acredita que os pontos de cultura mudaram a vida cultural e social da cidade?

Luciana – Sim, sem sombra de dúvida! Mas é preciso qualificar o que foi essa mudança. No meu entendimento, os Pontos de Cultura são criados em um momento em que a Cultura de Ribeirão passava por uma dinamização absolutamente necessária e esperada. Isso seja pela presença de Adriana Silva como Secretária da Cultura, que encabeçou ações que colocavam a produção cultural local em cena, como realização da conferencia municipal de cultura, elaboração do plano municipal de cultura, criação da rede de cooperação e identidades culturais, criação da própria Rede de Pontos e do Programa de incentivo cultural – PIC, entre outras. Ou seja pela organização da sociedade civil, que pautou demandas e buscou um novo olhar do poder público para o cenário cultural. Como exemplos temos a criação do movimento pró-arena, as disputas pelo aumento do orçamento da Secretaria de Cultura em conferencias, a reinvindicação da criação de um programa como o PIC. Tudo isso contribuiu para uma mudança positiva da vida cultural da cidade. O Programa Cultura Viva em Ribeirão vem nesse contexto. Os pontos de cultura, como parte desse Programa que é federal e considerado um marco na elaboração de políticas públicas no campo cultural, coloca aqui na cidade um reordenamento das prioridades financeiras da gestão pública, assim como resignifica a produção cultural local a partir da priorização de fazeres culturais, cujas bases sejam comunitárias. Nesse sentido, uma série de ações propostas pelos pontos começam a ser desenvolvidas com muito mais continuidade e diversidade, sem depender necessariamente de um voluntário ou de uma remuneração que ficasse aquém do que era necessário ao profissional. E quem trabalha com cultura sabe bem que a continuidade das ações é um dos nossos grandes desafios. Mais do que mudar a vida cultural da cidade, esperávamos transformar positivamente a vida das comunidades atendidas e beneficiadas com a criação dos pontos. Esse sempre foi nosso público-alvo. Em relação ao trabalho do Pontão especificamente, passamos a apoiar, financeiramente e com toda infra-estrutura material e humana necessária, uma série de iniciativas na cidade, desde de grupos e coletivos independente aos projetos apoiados pelo PIC e obviamente a rede de pontos. Temos certeza que muitas ações, tanto no centro da cidade quanto em bairros periféricos, não aconteceriam ou aconteceriam de forma mais precária não fosse a presença do Pontão.

BMP – Com o fim dos convênios, como ficam os pontos de cultura?

Luciana – É importante esclarecer que as entidades que foram reconhecidas como os pontos de cultura somente o foram por já desenvolverem trabalhos em suas bases. O princípio fundamental do programa Cultura Viva é este: reconhecer quem já existe e trabalha e não criar algo do nada. Nesse sentido, os pontos de cultura local vão continuar desenvolvendo o trabalho que já desenvolviam, mas que foi expandido quando integraram o convenio. Pode ser que a quantidade e a diversidade de oficinas diminuam, que o número de usuários diminuam, que também diminuam o número de locais onde atendiam… enfim, pode ser que tudo isso ocorra, pois cada entidade/ponto de cultura é autônoma, tem seu próprio modo de funcionar e pode ser mais ou menos atingida com o término do convenio. Mesmo considerando tudo isso, não podemos negar que pode acontecer um retrocesso de todo o potencial de ação conquistado. Vivenciar agora o fim formal da Rede de Pontos de Cultura é um pesar. Recentemente, a Secretaria Municipal da Cultura divulgou nas redes sociais um ofício do Ministério da Cultura, contendo a informação de que haverá um novo convênio ainda este ano, com duração reduzida (de um ano de convênio com os Pontos). Um pesar esta redução porque, pela nossa experiência, a viabilização do trabalho em rede iniciou-se quando estávamos finalizando primeiro ano de convênio.