Marcos Papa conversa com Fabio Feldmann sobre a PEC 65

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Marcos Papa – Com um currículo invejável, o ambientalista, administrador, advogado e consultor, Fábio Feldmann, dedicou um pouco do seu tempo para nos explicar sobre os resultados negativos, não só ambientais, mas também sociais e econômicos que estão agregados à aprovação pelo, Senado Federal, da PEC 65 – que permite a realização de obras públicas sem a análise dos impactos ambientais. De acordo com Feldmann, e eu concordo totalmente com ele, isso pode ter um resultado catastrófico, inclusive sobre o Aquífero Guarani, já que a partir da simples apresentação de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) pelo empreendedor, nenhuma obra poderá mais ser suspensa ou cancelada, o que torna irreversível ações que colocariam em risco o Aquífero.

Fiz questão de ouvir sua opinião porque ele é uma das maiores autoridades nesse assunto. Deputado federal por três mandatos, participou da elaboração da Constituição de 1988, sendo responsável pela elaboração do capítulo destinado ao meio ambiente, um dos textos mais completos e avançados referente à esta temática no mundo. Além de ser conselheiro de diversas ONGs como Greenpeace Internacional, TNC Brasil e Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV. Atualmente, Feldmann dirige seu próprio escritório de consultoria que trabalha principalmente com questões relacionadas ao meio ambiente e à sustentabilidade.

Nessa entrevista, o ambientalista esclarece muitas dúvidas e levanta questões sobre temas ignorados na condução da aprovação desta proposta pelo Senado.

Marcos Papa – O senador autor da Proposta de Emenda Constitucional-PEC 65 alega que a necessidade de licenciamentos ambientais atrasa obras de grande importância para o desenvolvimento de infraestrutura do país. Ele está correto?

IMG_2344Fabio Feldmann – Não. A proposta dele pode gerar um resultado catastrófico. Com a aprovação da PEC 65 pelo Senado Federal, que permite a realização de obras públicas sem a análise dos impactos ambientais, o Brasil adentra o necessário debate sobre o tema pela “porta dos fundos”. Sob o pretexto da simplificação, o resultado será o total esvaziamento da avaliação ambiental e da participação da sociedade na discussão dos empreendimentos com significativo impacto, contrariando o que determina a Constituição Federal de 1988. Embora se alegue que a participação pública pode tornar a licença mais lenta, estudos internacionais demonstram o contrário, desde que essa participação seja feita de forma efetiva. Com a garantia de legitimidade no processo de licenciamento ambiental, teríamos menor risco de judicialização.

Marcos Papa – Há algum tempo, obras no Brasil eram feitas sem dar a devida importância  à questão ambiental. Quais padrões o país adotou para modificar essa situação? 

Fabio Feldmann – A avaliação ambiental foi introduzida nos EUA em 1969, por meio de uma lei cujo modelo, com pequenas diferenças, foi adotado por mais de 150 países. As principais agências multilaterais também incorporaram nas suas normas a exigência dessa avaliação. Especialmente a partir da Rio-92, conferência da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento, a avaliação ambiental e a participação pública ganharam foro no direito internacional, além de disposições expressas nas duas mais importantes convenções lá assinadas: a Convenção da Diversidade Biológica e a Convenção de Mudanças Climáticas. Mais recentemente, a Rio + 20 reafirmou esses compromissos no documento “The Future We Want”. No Brasil, a Lei nº 6.803/80 obriga as avaliações de impacto e os estudos de alternativas como condição para serem aprovadas as zonas de uso industrial de pólos petroquímicos, carboquímicos, cloroquímicos e instalações nucleares. Posteriormente, a Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), repete o direito da União de licenciar essas atividades. Em 1986, foi editada a Resolução CONAMA nº 001, que estabeleceu as diretrizes gerais para a implementação da Avaliação de Impacto Ambiental.

Marcos Papa – Considerado esse contexto internacional, como fica a situação do Brasil caso a PEC 65 venha a ser aprovada?

Fabio Feldmann – Deixar prosperar iniciativas como a PEC 65 traria ao país enorme desconforto com a comunidade internacional em termos de credibilidade, além de afetar o acesso a recursos das agências multilaterais.

Marcos Papa – Isso quer dizer que além de prejuízos ao meio ambiente, fatores econômicos também podem ser afetados?

Fabio Feldmann – Sim, como falei, o acesso a recursos das agências multilaterais seria afetado. Afinal, quais investidores sérios aportariam recursos para empreendimentos de significativo impacto ambiental sem atender a requisitos universais de avaliação ambiental e de participação pública? Vale lembrar também dos Princípios do Equador, iniciativa que traz para o setor financeiro um conjunto de diretrizes para o financiamento de grandes projetos, com ênfase na identificação de riscos socioambientais. Mais de 80 instituições financeiras, em mais de 30 países, já aderiram voluntariamente aos Princípios, dentre as quais os mais importantes bancos brasileiros. Além disso, o Fundo Monetário Internacional (FMI), no exame de pedidos de empréstimo, tem buscado seguir padrões de proteção ambiental.

Marcos Papa – Os avanços no campo da sustentabilidade e do meio ambiente no Brasil acontecem, mas são lentos e muitas vezes sonegam questões importantes que precisariam ser mais valorizadas. Podemos afirmar que o Estado brasileiro falha em não dar a essencial atenção à essas questões?

Fabio Feldmann – Sim. Vários projetos de lei tramitam há décadas no Congresso Nacional sobre a matéria, sem que nossos parlamentares confiram importância ao tema. O primeiro deles, o PL 710, tramita desde 1988 e está há anos pronto para a pauta no Plenário. O que se vê é que o licenciamento ambiental no Brasil precisa ser revisto. Precisaríamos, contudo, primeiro conhecer a realidade desse instrumento no país.

Marcos Papa – No caso de Ribeirão Preto que é uma cidade brasileira com 99,8% de população urbana. Qual seria o tipo de impacto negativo que a aprovação da PEC 65 poderia trazer para nós?

Fabio Feldmann – Pela leitura da PEC, qualquer obra pública de infraestrutura poderia ser realizada. Ou seja, a partir da simples apresentação de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) pelo empreendedor, nenhuma obra poderá mais ser suspensa ou cancelada.

Marcos Papa – O autor da PEC 65 tenta ludibriar o país com a ideia de que zelar pelo meio ambiente e pelo desenvolvimento sustentável impede nosso crescimento. Qual sua opinião sobre isso?

Fabio Feldmann – Alguns questionamentos nos ajudam a elucidar esse erro: até que ponto é verdadeira, ou fabio feldmannnão, a informação tão propalada de que o licenciamento é obstáculo para a implantação de empreendimentos de infraestrutura? Temos que ter em mente que é indissociável a ideia do desenvolvimento sustentável da efetiva implantação da avaliação ambiental e da participação pública.

Marcos Papa – Como esse impasse pode ser resolvido agora, levando em consideração a possibilidade de aprovação da PEC 65 pelo Senado Federal?

Fabio Feldmann – A Presidência da República deve assumir a liderança dessa discussão sobre o licenciamento ambiental, com o propósito de atender as demandas da sociedade brasileira. Dessa forma, poderiam ser promovidas as mudanças necessárias para que esse instrumento cumpra os requisitos universais já mencionados, eliminando-se exigências desnecessárias. Certamente haveria um ganho inquestionável para todos.