Vitória! Mamaço apoiou a Lei de Papa

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Na sessão ordinária de terça-feira, 7/7/15, a partir das 18h, membros de movimentos de defesa dos direitos das mulheres e das crianças estiveram na Câmara Municipal em apoio aos vereadores que derrubaram o veto da prefeita contra a Lei que propõe punição para os estabelecimentos públicos ou privados que impeçam ou constranjam as mães que desejarem amamentar seus bebês.

Mamaco

O projeto, uma iniciativa do vereador Marcos Papa, assinado conjuntamente com Maurício Gasparini, foi aprovado pela Câmara Municipal em 19/5, mas causou surpresa ai ser vetado pela prefeita Dárcy Vera. Às vésperas do aniversário de 25 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA, a sociedade civil se preparou e reagiu em apoio à Câmara, que derrubou regimentalmente o veto.

Para Papa, que se antecipou e já comemorava a Lei nas redes sociais, “não havia justificativa plausível para o veto, a não ser o projeto ter sido proposto por dois vereadores da oposição, o que já é um absurdo em si. A prefeita afirma que estaríamos inconstitucionalmente legislando sobre o ECA, mas nossa Lei se desdobra em âmbito local, regulamentando a medida educacional em forma de multa e incentivando a amamentação ao deixar a mãe mais segura e confiante de que não será constrangida por ninguém!”

Leia, a seguir, o artigo publicado por Luiz Eugenio Scarpino Jr*, que elucida algumas questões relativas a este caso.

O município atuando na proteção do direito ao aleitamento materno

Esta breve exposição busca compreender e fundamentar do porquê o município detém competência para legislar na proteção do direito à amamentação, não apenas sob a ótica da proteção do infante, mas sobretudo no aspecto envolvendo o processo de aleitamento materno em si.

Verificou-se na cidade de São Paulo um episódio em que uma mãe foi constrangida por amamentar seu filho em público. Dito fato, gerou uma comoção social, de tal sorte que aquela urbe legislou no sentido de proibir e punir quem realizar ato discriminatório quanto ao ato da mãe amamentar seu bebê. Ribeirão Preto, na esteira do ocorrido, legisla também sobre o tema, mediante projeto de autoria dos vereadores Marcos Papa e Maurício Gasparini. Esta propositura, ora enfocada, busca proteger a amamentação, punindo o estabelecimento que o recriminar (multa de 25 UFESP, dobrado na reincidência), garantindo-se que seja realizado, independente da existência de áreas segregadas para o aleitamento. Deixa evidenciado que “a amamentação é ato livre e discricionário entre mãe e filho” (Art. 2º. Par. Ún. do Projeto).

Pois bem. Referida propositura ribeirão-pretana, aprovada pela edilidade, foi objeto de Veto do Poder Executivo sob o singelo argumento de que, não caberia ao município legislar sobre “proteção à criança e juventude” (art. 24, XV da Constituição).

Entretanto, referida justificativa não é apta a tolher o município do direito de legislar sobre o tema.
Dois são os principais pontos de apoio:

i – a amamentação não é apenas um ato de proteção à criança;

ii – cabe ao município legislar sobre matéria de interesse local, na promoção da saúde, determinando o ordenamento das atividades urbanas e impor as devidas penalidades.

Vejamos.

A amamentação não pode ser tida apenas como um ato biológico de alimentação de um bebê. Como sustenta NAKANO : “A respeito das relações com os profissionais de saúde, tem-se a evidência de ser predominantemente de cunho moralista e intervencionista, valorizando o aleitamento materno centrado nos benefícios da criança e reduzindo a mulher à condição biológica e funcional de produzir leite” (NAKANO, Ana Márcia Spanó. O aleitamento materno no cotidiano feminino. Tese de Doutorado. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, 1996, p. 138). Portanto, reduzir a amamentação como um mero ato biológico é um atentado contra a centralidade do papel da mãe em referido processo.

A proposta ora sustentada objetiva exatamente garantir o livre arbítrio das mães em aleitarem seus filhos, no local que lhes convier, não apenas representando um ato afetivo ou biológico, mas como signo da maternidade em tempos em que a amamentação pode ser tida como “uma prática bastante conflituosa, especialmente quando sentem-se constrangidas ao ter que se adequarem às convenções sociais, ou mesmo à conciliação que desempenham” (NAKANO, 1996, p.26).

Afinal, sustenta-se que “pensar a amamentação diz respeito não só ao corpo feminino, mas também à articulação do mesmo à realidade social”, como locus sócio-cultural e histórico do corpo feminino, inclusive para “sentirem-se seguras para decidir que experiência de amamentação desejam para si” (NAKANO, 1996, p.6).
Daí que, é possível chegar a uma primeira conclusão: o aleitamento materno é muito mais do que propiciar o tônus biológico ao bebê, além de um mero dever de cuidar, mas um direito da mãe em exercê-lo, na experiência afetiva, multidimensional e reafirmativa do papel da mulher desde os tempos mais longínquos até a contemporaneidade.
Passemos ao segundo ponto investigado: a juridicidade do projeto que aplica sanções aos estabelecimentos que impeçam as mães de aleitarem seus filhos.

A amamentação na forma como tocada na propositura se desdobra como um direito à saúde e ato de liberdade das mulheres no aleitamento em público.

A Constituição Federal (CF) determina ser dever da família, da sociedade e do Estado o asseguramento da criança do direito à vida, à saúde e à alimentação (art. 227). Sim, o aleitamento é um direito da criança, também, cumprindo ao Estado propiciar que isso ocorra.

Daí que, no âmbito dos municípios, dentro de seu dever de papel de legislar sobre o interesse local (art. 30, I, CF e art. 4º., I, da Lei Orgânica do Município, LOM), cabe ordenar as atividades urbanas e impor penalidades (art. 4º. XIX e XXVII, LOM) notadamente no cuidado da saúde (art. 5º., I, LOM) e na proteção especial da família e da criança (art. 191, LOM).

A amamentação envolve a criança, a família, e a mãe, não sendo crível que um estabelecimento municipal, qualquer que seja, constranja e limite o direito sacro ao aleitamento, não só por impor um óbice ilícito à mulher (ferindo o princípio constitucional da legalidade, art. 5º, II, CF), como frustrar também o exercício do cuidado com a saúde.

Aqui chega-se a outro aspecto interessante: a Constituição propala que o município tem poder de legislar sobre cuidados com saúde (art. 23, II, CF). Por qual razão então, este projeto foi enquadrado com um mero ato de proteção à infância e não como ato de proteção da saúde e da assistência pública? Certamente, a análise que embasou o veto foi míope, por rebaixar a propositura a um aspecto terciário e desenquadrado de toda a complexidade que envolve a temática.

A seguir o entendimento equivocado, o município não poderia legislar em nada envolvendo proteção da infância e juventude. Então como se explica que o Estatuto da Criança e do Adolescente (que está abaixo da Constituição) prescreva a participação tão ativa dos municípios na elaboração de leis e políticas públicas (por exemplo, dentre outros os artigos 70-A, 86; 134; 166, §7º; 197, §1º, 259, par. Ún)?

Exemplo da inconsistência é revelado no mesmo artigo da Constituição (art. 24) cujo rol traria exemplos de matérias que o município não poderia legislar. Naquele artigo, está previsto no inciso IX que compete à União e Estados legislarem sobre educação. Então, por qual razão o Plano Nacional da Educação determina que os municípios elaborem Planos Municipais de Educação, mediante lei?

A análise a ser feita não pode ser isolada, e sim lida sistemicamente.

A Organização Mundial de Saúde provê recomendações, acolhidas pelo Ministério da Saúde, porquanto o aleitamento materno deve ser feito exclusivamente até os seis meses de vida do bebê e como complemento a outros alimentos até os dois anos de vida ou mais. Aleitar é ou não, portanto, um ato de cuidado com a saúde?

A intenção que embasa a proposta se reveste, já em seu artigo 1º., da necessidade de prover a amamentação como ato de saúde, afinal, “a ocorrência do abandono do aleitamento materno pelas mulheres evidenciou efeitos adversos, especialmente nos países de terceiro mundo quando a taxa de desnutrição, da morbidade e de mortalidade se acentuaram” (NAKANO, 1996, p. 19).

Desnecessário alongar-se ainda mais na possibilidade do município regulamentar a forma pela qual seus comércios devem atuar, notadamente por estabelecer regras de funcionamento, adotando posturas pelas quais os mesmos não devem incorrer. A jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo e do Supremo Tribunal Federal é exaustiva sobre este tipo de atuação municipal. Daí que leis que estabeleçam vedações e comportamentos negativos vêm sido reconhecidas como exemplos de normas aptas a serem produzidas pelos municípios. E este é o eixo fulcral do projeto ora analisado: impor multas para o estabelecimento que não permitir o direito das mulheres em aleitar seus filhos em público.

Nesta senda, a proposta dos vereadores é constitucional do ponto de vista formal e material, sendo incorreto o enquadramento oblíquo e assistêmico feito pelo Poder Executivo.

Conclusivamente, tem-se com segurança plena o papel dos municípios protegerem e incentivarem por meio de leis, a proteção do direito ao aleitamento materno, inclusive impondo sanções a quem queira impedir sua realização em público, assegurando a liberalidade da mulher em prover saúde ao seu filho.

*Advogado e professor universitário, mestre em Direitos Coletivos e Cidadania, assessor jurídico do vereador Marcos Papa.