“A educação do nosso tempo: o que preservar e como inovar?”

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Por Neca Setubal, via Rede Sustentabilidade

A educação é um processo que articula, ao mesmo tempo, a preservação de valores, tradições e conteúdos que ainda fazem sentido na época atual e os aspectos inovadores do mundo contemporâneo, de modo a apontar perspectivas de futuro para as novas gerações. Vivemos uma crise econômica, ambiental, política e social que torna esse processo mais difícil e complexo, especialmente para a educação, responsável por formar crianças e jovens para a construção da sociedade contemporânea.

Ao falar da importância do nosso olhar para o passado, de modo a descobrir pontos que brilhamdos quais não podemos abrir mão, Hannah Arentd nos dá uma pista de como selecionar do legado da humanidade aquilo que ainda pode fazer sentido no mundo atual. Trata-se de um olhar provocado pelo presente que se dirige ao passado, possibilitando assim novas descobertas.

Precisamos encontrar o que o tempo transformou em pérolas e corais, ressignificando-os em outro contexto e mantendo seu poder inspirador e renovador. Não é o passado enquanto tal, enfatiza a autora, mas a possibilidade de narrar certas experiências políticas do passado de modo a transformá-las em mitos ou cristalizações que revelem o sentido das manifestações políticas cruciais do presente, encontrando assim correspondências sintomáticas entre passado e presente.

Os desafios do mundo contemporâneo são enormes, uma vez que as grandes narrativas e as autoridades do Estado, da religião e da escola não respondem mais aos anseios contemporâneos de autonomia, liberdade e radicalização da democracia. Nesta perspectiva, ganha sentido que a sustentabilidade seja o eixo articulador das condições do tempo presente com uma proposta de futuro sustentável. É necessário garantir uma vida digna para todos agora e para as próximas gerações, de modo a preservar o planeta e suas condições naturais.

Os desafios da educação brasileira não podem, a meu ver, ser reduzidos à necessidade de formação de mão de obra para o mundo do trabalho. Sem dúvida, essa é uma questão central, mas que deve estar intrinsecamente ligada às diversas exigências do mundo atual de formação de cidadãos participantes, autônomos, sujeitos de sua própria história e capazes de lidar com a complexidade e incertezas trazidas pelo século 21.

São inúmeros os desafios concretos a serem enfrentados pelas políticas educacionais, como os indicadores, hoje disponíveis, têm apontado. Precisamos resolver as desigualdades educacionais relativas a questões como:
Analfabetismo absoluto e funcional;

Universalização da educação infantil a partir de 4 anos e aumento da oferta de creches;
Distorção idade-série;

Evasão dos anos finais do ensino fundamental e, especialmente, do ensino médio;
Diferenças relativas à raça, gênero, populações tradicionais e indígenas, assim como as da educação do campo e das periferias das grandes cidades.

Esses problemas precisam ser superados ao mesmo tempo em que são apontadas novas diretrizes para o currículo e, portanto, para formação de professores. Devem ser incluídas temáticas atuais, tecnologias da comunicação e nova organização da escola, tanto interna quanto externa, ou seja, uma escola aberta à comunidade e aos temas cotidianos.

O eixo da sustentabilidade nos traz referências importantes, pois coloca a interdependência visceral entre as pessoas e entre elas e o meio ambiente. Apenas um olhar sistêmico entende como essas relações afetam as comunidades, o lugar de trabalho, o sistema educacional, as famílias e os indivíduos. Esta visão implica considerar uma ética de responsabilidade social e pessoal a um futuro sustentável, para que as próximas gerações tenham uma vida digna e de bem-estar no planeta.
A crise na educação se expressa na contradição de trabalhar conteúdos e conhecimentos cada vez mais complexos, que devem estar pautados por valores capazes de contribuir para a preservação da sociedade. As pessoas devem ser orientadas a ter uma visão de futuro em um mundo cada vez mais marcado pelo imediatismo, consumismo, efemeridade de valores, superficialidade e pasteurização das informações.

Como construir uma educação de qualidade para todos que tenham valores duradouros, além de flexibilidade e ludicidade necessárias para integrar os jovens aos desafios contemporâneos?

De que forma a educação pode contribuir para o fortalecimento da coesão social e para a criação de novas formas associativas de cooperação e solidariedade necessárias para um mundo sustentável?

Neste contexto, Paulo Freire nos aparece como uma dessas pérolas de meados do século 20 que pode nos servir de inspiração devido à atualidade de seu pensamento e à possibilidade de relacionarmos sua concepção, experiência e vivências de educação com o eixo da sustentabilidade. Por cauda da complexidade do tema, abordarei essa visão nos próximos artigos deste blog.

Neca Setubal é fundadora da Rede Sustentabilidade, presidente do conselho do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC) e doutora em Psicologia da Educação pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).