A entrevista concedida pelo vereador Marcos Papa (Rede) ao jornal Enfim segue com ampla repercussão. Presidente da CPI do Transporte, Papa conseguiu suspender na Justiça o aumento de 6,33% na tarifa de ônibus em Ribeirão Preto, por meio de um mandado de segurança protocolado através de seu partido, a Rede Sustentabilidade.

Confira a entrevista na íntegra concedida ao jornal Enfim, no dia 20 de julho – seis dias antes de a Prefeitura de Ribeirão Preto anunciar o reajuste da tarifa de ônibus. 

Reprodução Jornal Enfim

Jornal Enfim: Quais são as principais descobertas da CPI do Transporte?

Marcos Papa: Mais do que descobertas, a CPI do Transporte obteve conquistas efetivas para Ribeirão Preto, principalmente para os usuários do transporte público. Dentre as principais destaco o cancelamento da autorização ilegal, imoral e cruel que o PróUrbano tinha recebido do governo anterior para exploração de publicidade dos abrigos dos pontos de ônibus, a ordem de desocupação das cantinas também exploradas ilegalmente pelo Consórcio e a divulgação da dívida que a concessionária tem com a Transerp por ter deixado de pagar a taxa de gerenciamento existente no contrato. O PróUrbano alegou “bitributação” à Justiça, mas em depoimento à CPI o representante do Consórcio assumiu que acionaram a Justiça na tentativa de dar fôlego ao próprio caixa e, infelizmente, um desembargador concedeu liminar a favor da concessionária, que já deve cerca de R$ 5 milhões aos cofres públicos.

 

Jornal Enfim: Por quê a CPI demorou tanto tempo para concluir os trabalhos?

Marcos Papa: A Prefeitura foi lerda em tomar providências urgentes diante das revelações e demorou mais tempo que o necessário em nos dar respostas e nos enviar documentos. A CPI foi constituída em fevereiro de 2017, portanto, um ano e cinco meses. Considerando a situação dramática do transporte público de Ribeirão e as conquistas da Comissão, acredito que os trabalhos tenham sido realizados com a devida cautela. Aguardamos o envio de todos os documentos que foram solicitados aos órgãos envolvidos e nos preocupamos em ouvir todas as pessoas direta e indiretamente ligadas à concessão.

 

Jornal Enfim: O Consórcio já manifestou algumas vezes que não reconhece a Transerp como administradora e por isso não paga a taxa de gerenciamento. Porquê?

Marcos Papa: A fiscalização da Transerp deixa muito a desejar, por isso o sistema está como está. A taxa de gerenciamento consta o contrato de concessão, assinado há cinco anos, portanto, o PróUrbano sabe da legalidade dessa cobrança que serve justamente para que a Transerp fiscalize o serviço prestado pela concessionária. Alguns métodos precisam ser revistos, como é o caso do serviço de 0800 para reclamações e sugestões. É o suprassumo do absurdo deixar que o Consórcio receba as reclamações do serviço que ele mesmo presta. É como deixar a raposa cuidando do galinheiro. Esse serviço precisa ser transferido para a Transerp, que não pode se limitar a auditar as reclamações por amostragem. O usuário do transporte público merece mais respeito. Também é necessário que a Transerp aumente seu quadro de fiscais. Não é possível fiscalizar um sistema como o de Ribeirão com apenas seis fiscais, sendo que parte desse pequeno quadro está afastada do serviço por problemas de saúde. Diante de tudo isso, faço um apelo ao desembargador do TJ-SP (Tribunal de Justiça) que concedeu a liminar ao PróUrbano para que julgue o mérito da ação e que determine o pagamento retroativo. Esses cerca de R$ 5 milhões são fundamentais para que o sistema seja melhor fiscalizado e ao desobrigar o Consórcio do atendimento do 0800 a prefeitura somará mais um elemento que justifica a redução da tarifa.

Jornal Enfim: Existem situações ilegais descobertas pela CPI? Quais são elas?

Marcos Papa: Sim. A publicidade nos abrigos dos pontos de ônibus era explorada ilegalmente. O desgoverno anterior deu uma autorização ilegal, imoral e cruel ao Consórcio, às pressas, durante a CPI do Transporte, que fizemos na legislatura anterior, da qual eu era relator. A autorização foi dada pelo ex-secretário de Administração Marco Antônio dos Santos, que está preso pela Operação Sevandija. Vale lembrar que dos quatro esquemas de corrupção desmantelados pela Sevandija três tiveram início em investigações do nosso mandato. Enfim. O então secretário ignorou que a Lei Cidade Limpa exige legislação específica para exploração de publicidade no mobiliário urbano. Nunca houve autorização legislativa. Essa ilegalidade foi reconhecida pelo atual governo que cancelou a autorização dada à concessionária, que, por sua vez, quarteirizava a exploração para a empresa Mídia Pull, de São Paulo, em troca supostamente apenas da manutenção dos abrigos e da construção de 25 novos por ano. Somente 25 novos, o que já é uma vergonha para uma cidade do porte de Ribeirão. Estimo que somente essa ilegalidade tenha causado um prejuízo aos cofres públicos de cerca de R$ 12 milhões por ano, ou seja, quase R$ 50 milhões desde o início da exploração de publicidade nos abrigos. Provocada pela Comissão, a Transerp abriu um PMI (Proposta de Manifestação de Interesse) para receber estudos técnicos sobre o potencial de negócio da exploração de publicidade. Um estudo está sendo analisado. Já cobrei a administração, por meio de indicação, para que envie à Câmara um projeto pedindo autorização legislativa para exploração em mobiliário urbano antes da abertura da licitação. Uma licitação bem feita pode subsidiar até R$ 0,50 da tarifa ônibus. Trata-se de um negócio tão lucrativo que, em São Paulo, essa exploração foi desmembrada do contrato de concessão. Outra ilegalidade fragrante diz respeito ao comércio ilegal em terminais. Neste caso, o Consórcio não tinha autorização nenhuma para exploração de lanchonetes. Esse serviço deve ser oferecido aos usuários do transporte, mas devidamente contabilizado como receita acessória. A prefeitura precisa fazer uma ampla avaliação de mercado e abrir concorrência pública para essa exploração. Também cobrei a abertura de concorrência, por meio de indicação à administração. Não é admissível que essa exploração seja simplesmente dada a alguém. Nos dois casos, Ministério Público e Justiça precisam investigar se particulares enriqueceram com dinheiro público. Essas investigações devem ocorrer, inclusive, com base na Lei Anticorrupção.

 

Jornal Enfim: A que você se refere quando fala em “caixa preta” do transporte urbano?

Marcos Papa: Caixa preta é, sem dúvida, a planilha de custos do Consórcio PróUrbano, os gastos relacionados ao transporte público que resultam no valor da tarifa de ônibus. Desafio, mais uma vez, à Transerp a publicar a planilha de custos no site da Prefeitura. Ao publicar a planilha a Transerp abriria essa caixa-preta e daria luz, finalmente aos cálculos, daria transparência a uma planilha complexa que abrange desde o custo com pneus e diesel até o salário dos motoristas. Ou seja, com a abertura dessa caixa-preta a sociedade ajudaria a fiscalizar a concessionária e todos saberíamos que o valor da tarifa é injusto.

 

Jornal Enfim: O preço da passagem de ônibus em Ribeirão Preto é justa, considerando as conclusões da CPI?

Marcos Papa: Hoje, sem transparência na planilha de custos e diante do serviço ruim que é oferecido aos usuários do transporte público, entendo que o valor da tarifa em R$ 3,95 é injusto. Mais do que isso, acredito que o valor da tarifa deva ser barateado com urgência diante de todas as conclusões da CPI do Transporte. Se as receitas acessórias ou fontes alternativas de receitas forem contabilizadas corretamente, se o serviço de 0800 passar a ser gerido pela Transerp, se a telemetria for abolida, se o número de pontos de recarga continuar inferior ao previsto no contrato e se o PróUrbano continuar se negando a pagar a taxa de gerenciamento, acredito realmente que o valor da tarifa deva ser barateada em pelo menos R$ 0,50. O que não podemos aceitar diante de tudo isso é que o governo atenda a solicitação do Consórcio e aumente o valor da tarifa. Hoje é inaceitável.

Jornal Enfim: Há uma série de irregularidades apontadas pela CPI. De que maneira elas afetam a vida do passageiro?

Marcos Papa: De inúmeras maneiras. Além de interferir no valor da tarifa de ônibus, a contabilização correta da exploração da publicidade, por exemplo, pode beneficiar os usuários com pontos de ônibus com abrigos descentes. O contrato de concessão falhou muito ao exigir a construção de apenas 25 pontos com abrigos por ano. O número é ridículo pelo porte de Ribeirão. Temos mais de três mil pontos de ônibus no munícipio, mas apenas cerca de 800 com bancos e cobertura. Ou seja, o usuário aguarda o transporte em pé, no sol e na chuva. Isso é um desrespeito! Se o ônibus atrasar ou passar direto devido a lotação e o usuário ligar no 0800 para reclamar, mas quem atender for alguém que trabalha para o PróUrbano, será que a reclamação será devidamente registrada? Se a Transerp faz um acompanhamento, por amostragem, e ainda descumpre a lei de minha autoria que a obriga a publicar no site da prefeitura todas as reclamações dos usuários com as devidas respostas, será que todos os problemas estão sendo fiscalizados? Se o PróUrbano não paga a taxa de gerenciamento que serve para que a Transerp invista na fiscalização do sistema e os meios de fiscalização são conhecidamente insuficientes, será que o Consórcio se preocupa mesmo em melhorar o atendimento aos usuários? Até mesmo os ônibus novos que foram adquiridos pela concessionária são altos demais e oferecem riscos à saúde e a segurança dos passageiros. Os problemas envolvendo o transporte público que afetam os usuários são tantos que cresce a cada ano o número de motocicletas em Ribeirão e junto com ele o número de acidentes com sequelas e mortes. Se o nosso transporte público fosse digno grande parcela da população deixaria carro e moto em casa para trabalhar de ônibus, mais do que isso muitos sequer teriam veículo próprio.

 

Jornal Enfim: O que pode ser feito no curto prazo para melhorar as relações entre Prefeitura, PróUrbano e passageiros sem uma demorada demanda jurídica?

Marcos Papa: Apesar de agir com lerdeza em algumas questões envolvendo o transporte público, como para auditar se o PróUrbano cumpriu ou não cumpriu o valor da outorga, no prazo longo para desocupação das cantinas exploradas ilegalmente em terminais e até na demora em cumprir a lei de minha autoria que determina a publicação das reclamações dos usuários do transporte, a atual administração não se comporta como sócia do Consórcio, como ocorria na gestão anterior. Várias vezes afirmei que a ex-prefeita se comportava como sócia da concessionária e quem mais sentia isso na pele eram os usuários. Toda vez que havia um flagrante descumprimento, a prefeitura dava mais prazo para o Consórcio, que nunca havia sido multado. Só no ano passado, a Transerp multou o PróUrbano mais de 130 vezes. Na busca por um transporte público de qualidade isso é positivo, o serviço tende a melhorar à medida que a Transerp for mais atuante na fiscalização do sistema. Ou seja, uma fiscalização séria é a solução mais efetiva em curto prazo, assim como a exigência para que o contrato seja cumprido à risca. Paralelamente corre na Justiça uma ação civil pública fruto da reabertura de um inquérito do Ministério Público. Tencionado pela primeira CPI do Transporte, o MP chegou a propor um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), na gestão passada, mas diante de sucessivos descumprimentos por parte do PróUrbano e também da prefeitura, o acordo não foi homologado pelo Conselho Superior do Ministério Público. Em médio e longo prazo essa relação tende a sofrer a interferência da Justiça.

 

Jornal Enfim: Qual seria a solução em relação às cantinas que eram exploradas pelo Consórcio?

Marcos Papa: O Consórcio pediu que a administração reconsiderasse quanto ao prazo de 60 dias para desocupação das cantinas, mas a solicitação foi indeferida. O prazo está acabando. Já cobrei a prefeitura quanto a necessidade de abertura de uma concorrência pública para que a exploração das lanchonetes ocorra legalmente. Essa receita acessória também deve ser contabilizada de forma a influenciar no valor da tarifa.

 

Jornal Enfim: A CPI chegou a conclusão também que o Consórcio explorou de maneira irregular a publicidade nos terminais. No relatório final da CPI existem números do prejuízo. Isso pode ser revertido?

Marcos Papa: Se ficar comprovado que houve dano aos cofres públicos, como eu realmente acredito que houve, o erário deve ser ressarcido. Para isso, é necessário o envolvimento da Justiça. Para outras situações, o atual governo pode intervir na concessionária e, numa medida mais drástica, até rescindir o contrato, caso considere que os descumprimentos contratuais continuam.

Jornal Enfim: A CPI descobriu que as reclamações dos usuários não chegam a lugar nenhum. É quase como se não houvesse nenhum tipo de reclamação. É como se o serviço estivesse 100% satisfatório?

Marcos Papa: As estatísticas nunca bateram e hoje entendemos o por que. A Administração deve tirar imediatamente o serviço de 0800 das mãos do Consórcio e cumprir a lei que determina que todas as reclamações sejam publicadas no site da prefeitura com as devidas respostas. Somente assim as estatísticas baterão com as reclamações que recebemos diariamente nos gabinetes, nas redes sociais e nas conversas com usuários do transporte. A transferência do 0800 pode ser repactuado na revisão do contrato de concessão. Essa repactuação pode ocorrer agora, quando o contrato completa cinco anos, e está prevista justamente em uma das cláusulas. Esse seria mais um elemento para baratear a tarifa, já que o Consórcio se veria desobrigado a realizar esse serviço. Por outro lado, estou disposto à acionar o Ministério Público caso Prefeitura e Transerp não cumpram imediatamente a minha lei que garantirá mais transparência ao sistema e mais respeito aos usuários.

 

Jornal Enfim: O consórcio cumpriu o contrato o combinado com a Prefeitura?

Marcos Papa: No que diz respeito à construção de terminais não cumpriu. Três terminais que foram anunciados pelo desgoverno anterior e pelo PróUrbano com toda pompa e circunstância não saíram do papel. O Consórcio alega que já investiu todo o valor da outorga, pouco mais de R$ 23 milhões, e que não construirá os terminais da USP, da Vila Mariana e o Central, que seria na rua Mariana Junqueira. A concessionária alega que devido à alterações solicitadas pela gestão passada os terminais construídos ficaram mais caros do que esta previsto. Infelizmente, a CPI não logrou êxito ao tentar uma parceria para auditar as obras, mas a Prefeitura, que é quem tem a obrigação de fato, apesar da lerdeza, está auditando os terminais com funcionários próprios e ainda contratará uma auditoria externa para cruzar os dados e poder se manifestar com convicção. E claro, se for o caso, tomar as providências cabíveis. A carta-convite para contratação da consultoria deve ser publicada ainda essa semana e custará cerca de R$ 80 mil.

 

Jornal Enfim: Alguns terminais ainda não foram feitos e outros foram mal feitos, apesar de estarem sem contrato. O que a CPI sugere a partir de agora?

Marcos Papa: Como a CPI não conseguiu viabilizar uma parceria para auditar os terminais, defendemos que a Câmara contrate uma consultoria independente para auditar a planilha de custos do PróUrbano e também o sistema como um todo. Os vereadores são fiscais do Poder Executivo, mas não são técnicos e até agora tiveram que acreditar no que a prefeitura diz e no que a concessionária diz. A Mesa Diretora tem uma oportunidade histórica de autorizar essa contratação e de garantir aos vereadores conhecimento técnico suficiente para saberem se o valor da outorga foi totalmente investido, se o serviço atende as necessidades dos usuários e principalmente se o valor da tarifa é justo ou injusto.

 

Jornal Enfim: Depois de muita briga os terminais da região da Catedral estão sendo refeitos. Quais eram os defeitos “infantis” que eles tinham?

Marcos Papa: O problema era primário: não foi respeitada a altura prevista no projeto original. O Consórcio alega que o desgoverno anterior autorizou a construção dos terminais numa altura inferior ao que consta no projeto, simplesmente ignorando a segurança da população. Como havia a possibilidade dos dois terminais, que compõem a Estação Catedral, desabarem na cabeça dos usuários e dos pedestres, caso a estrutura fosse atingida por uma caminhão baú, por exemplo, a obra não foi recebida oficialmente pela administração. O resultado dessa irresponsabilidade nos vimos por meses: terminais abandonados e vandalizados e os usuários desatendidos se amontoando nos desestruturados pontos que ficam próximos dos terminais. Mais uma vez a CPI tencionou e o atual governo pressionou para que o PróUrbano assumisse a sua responsabilidade ou o seu erro e realizasse a adequação dos dois terminais, o que está ocorrendo somente agora.

 

Jornal Enfim: Dentro de pouco tempo o Consórcio deverá apresentar uma proposta de aumento das passagens. O serviço prestado justifica isso?

Marcos Papa: De forma alguma, sou totalmente contra qualquer reajuste na tarifa de ônibus nesse momento por todos os fatores elencados nessa entrevista. O PróUrbano apresentou, há cerca de 15 dias, um pedido de reajuste à Transerp, que segue analisando a solicitação junto à Administração. O percentual pleiteado pelo Consórcio ainda não foi divulgado, mas, independente de qual seja, eu já considero totalmente inoportuno.

 

Jornal Enfim: Que avaliação você faz do transporte urbano de Ribeirão Preto hoje?

Marcos Papa: Ruim, infelizmente. Como fiscalizador do Poder Público, sou usuário do transporte coletivo e com frequência percorro diferentes linhas para conversar com os passageiros. São muitas as reclamações, que vão desde ônibus lotados, atrasos e mudanças nas linhas e veículos sujos até problemas com integração, com o elevador para cadeirantes e com pontos de recarga. O usuário do transporte público reprova o sistema municipal e eu faço coro a essa reprovação.

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