Partilho com você o texto publicado pelo meu amigo e assessor Luiz Eugenio Scarpino Junior (Mestre em Direitos Coletivos e Cidadania, Professor na Universidade de Ribeirão Preto nos cursos de Direito e Jornalismo), publicado nas colunas de Opinião do jornal Tribuna de 01/03/16.
Assassinando reputações
Após assistir ao documentário “Making a Murderer” (algo como “Fazendo um Assassino), exibido pelo Netflix e preparar as aulas de “Ética e Legislação em Jornalismo”, devemos nos perguntar: será que o poder da mídia é suficiente para assassinar reputações? A resposta é um perigoso e rotundo sim.
No caso da série-documentário de dez horas construída em um ritmo inebriante, não tanto pelo estilo – por vezes repetitivo e vagar – mas em decorrências das reviravoltas e da bem-sucedida tarefa das diretoras ao criar empatia com a personagem da vida real. Baseado na história do norte-americano Steven Avery que foi condenado indevidamente por estupro e mofou por 18 anos na prisão por um crime que não cometeu; e logo mais, pelas mãos dos mesmos investigadores tornou-se novamente réu em uma acusação de um terrível homicídio, com a participação de um abobalhado sobrinho – que também caí no emaranhado das teias da não tão justa Justiça.
A série prima pela análise reflexiva sobre a complexidade do Judiciário, apontando falhas evidentes no aparato estatal, notadamente pela decantada e terrível supremacia do interesse público sobre o indivíduo, que torna dificultoso configurar a presunção de inocência. Entretanto, condenações injustas não decorrem apenas por culpa da polícia ou do Judiciário, merecendo um papel de destaque a postura da imprensa.
As condenações midiáticas são extremamente ágeis e podem ser impostas num clique de notícia, ou mediante uma avalanche de reportagens a tornar um simples investigado (às vezes nem isso) em um facínora condenado, pouco importando o resultado oficial.
A credibilidade do jornalista (e seu veículo) é a sua palavra, sua veracidade, que deve fazer trabalhar com objetividade, equilíbrio, coerência, imparcialidade e acima de tudo, independência. Um dos 7 pecados capitais do jornalista, já alerta Eugênio Bucci, é o assassinato de reputações. Um cidadão acusado de um crime infamante será condenado aos olhos do povo se os meios de comunicação revelarem de forma irresponsável e sem a devida apuração, detalhes eventualmente fornecidos por autoridades públicas. Exemplo disso é o caso Escola Base que ceifou a vida pública de pessoas inocentes, mesmo que venham a receber indenizações milionárias dos irresponsáveis veículos que embarcaram em acusações levianas e fantasiosas. Não precisamos ir tão longe: em tempos de delação premiada, para se ver livre, basta que um acusado pie o nome de um homem público. Pronto, mais alguns condenados, pouco importando a robusteza das provas.
O preço constitucional da presunção de inocência revela uma responsabilidade pública imensa para a mídia, praticamente um preceito ético inafastável, sob pena de continuarmos a ser algozes ou cúmplices de deslizes hediondos.